sexta-feira, abril 06, 2012

LADODENTRO ENTREVISTA - PAULO HENRIQUES BRITTO




Poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, prima pela clareza do discurso e consegue a proeza de harmonizar uma linguagem sofisticada sem sacrificar o entendimento do texto. Autor de cinco livros de poesia, Liturgia da Matéria (1982) Mínima Lírica (1989), Trovar Claro (1997), com o qual recebeu o Prêmio Alphonsus de Guimarães, da Fundação da Biblioteca Nacional, Macau (2003), com o qual recebeu o prêmio Portugal Telecom de literatura brasileira, e Tarde, (2007), seu mais recente livro do gênero. Em 2004, lançou o livro de contos Paraísos Artificiais, estabelecendo um diálogo com o poeta francês Charles Baudelaire.

Paulo Henriques Britto cultiva as formas fixas sem perder a linguagem afiada com a contemporaneidade, é um nome de destaque da atual poesia brasileira e já traduziu autores importantes como Allen Ginsberg, Byron e Henry James . Nessa entrevista, o autor dá informações preciosas sobre o gênero poético. Confira.


Em que medida a concisão é fundamental na poesia?

Eu diria que é fundamental apenas para uma determinada tradição da poesia moderna. Há grandes poetas concisos e grandes poetas espaçosos.

Você, que atua na área da tradução de poesia de forma reconhecida, concorda com a máxima de Robert Frost: “Poesia é o que se perde na tradução"?

De modo algum. Acho que uma boa tradução pode recuperar o que há de melhor num poema. Uma das pesquisas que desenvolvo atualmente na PUC-Rio é justamente sobre a tradução de poesia, e o que tento demonstrar para meus alunos é que é possível fazer avaliações minimamente objetivas de traduções de poesia; e o que essas avaliações mostram é que há traduções excelentes. Nós temos aqui, no Brasil, um nível muito elevado de tradução poética, como as traduções feitas pelos irmãos Campos, por exemplo.

No seu ponto de vista, a geração mimeógrafo retomou as propostas iniciais do modernismo de 22: coloquialismo e agilidade no discurso poético?

Sem dúvida, a poesia marginal dos anos 70 tem alguns pontos em comum com o modernismo de 22. Só que o que em 22 era inovação nos anos 70 era mais uma reação ao formalismo das vanguardas dos anos 50 e 60. No cômputo geral, acredito que a guinada subjetivista e informal da geração mimeógrafo foi uma reação saudável; mas não dá para comparar o legado poético dos anos 70 com a produção do Bandeira modernista, do primeiro Drummond, nem sequer com o Mário e o Oswald dos anos 20.

Você é reconhecido por uma poesia clara, não hermética, é nesse sentido que a poesia sairá do altar? no sentido de aproximar o leitor?

Não acho que a poesia esteja em nenhum altar; Bandeira e os outros modernistas já trouxeram a poesia de lá há muito tempo. Mas popular, no sentido que são populares a canção popular e as telenovelas, a poesia não é mais desde o modernismo, e acho pouco provável que volte a ser algum dia. Pessoalmente, não tenho nada contra o hermetismo; acho que há ótimos poetas difíceis e ótimos poetas que não são difíceis; ninguém é hermético por espírito de porco, nem claro por vontade de se aproximar do leitor: a gente escreve a poesia que consegue escrever, não a que acha que deve ser escrita.

Mínima Lírica, seu segundo livro, de 1989, pode ser considerado um projeto de metalinguagem?

Boa parte da poesia escrita do modernismo para cá tem um forte componente metalinguístico, e não necessariamente por haver um projeto consciente neste sentido. A arte moderna, de modo geral, é metalinguística; o cinema de Godard, as canções de Caetano Veloso, o teatro de Brecht, o romance de Joyce e Cortázar... Mas se a gente parar para pensar, boa parte dos sonetos de Shakespeare tematiza a perenidade da poesia em comparação com a beleza física da pessoa amada: isso também é metalinguístico. Mas quando Camões comenta as agruras de escrever um poema épico em tempos modernos, isso também é metalinguagem, não é? Pensando bem, a arte sempre foi um dos temas centrais dos artistas, a poesia sempre foi um dos grandes tópicos da poesia de todos os tempos. O modernismo apenas acentuou uma coisa que sempre existiu. Quanto a Mínima lírica, não sei se é mais metalinguístico que a maioria dos livros de poesia de nosso tempo. Desconfio que não.

Por um lado você cultiva as formas fixas (soneto) por outro sua linguagem é despojada e contaminada de elementos modernos. Qual a medida exata dessa combinação?

A conquista do sermo humilis — a elevação da linguagem coloquial à condição de arte — é algo que veio para ficar. Num primeiro momento, a gente pensa nos modernistas de 22. Mas Auerbach afirma que o primeiro texto que eleva o cotidiano à condição do sublime, que apaga as fronteiras tradicionais entre o elevado e o baixo, é o Novo Testamento. Ou seja: a coisa não é tão nova assim. Isso, a meu ver, é um caminho sem volta: a entronização da linguagem coloquial como veículo de poesia. Quanto às formas fixas, concordo com Antonio Cícero: o modernismo contribuiu com formas novas, mas não destruiu nada. O verso livre é mais uma forma a ser explorada pelos poetas; ele vem se somar ao soneto, à sextina, à terça rima, à oitava rima e tudo o mais; essas formas antigas, porém, não se tornaram obsoletas. A única coisa que me parece irremediavelmente obsoleta é a postura de achar que é obrigatório usar uma linguagem elevada para tratar de temas elevados: a estética do sublime. No mais, os velhos temas continuam vivos: o amor, a morte, o desejo; e as velhas formas permanecem, ao lado das novas.

Em seu discurso há uma insinuação de prosa (pontuação, etc..) contida na medida em que o poema exige. Pode-se dizer que a poesia (linguagem) existe também fora do poema (gênero)?

Não sei se entendi bem a pergunta, mas concordo que pode haver linguagem poética sem forma poética: estão aí Joyce e Kafka e Guimarães Rosa e tantos outros que utilizam em prosa uma série de recursos característicos da poesia, sem recorrer aos metros e às formas estróficas e outros recursos formais da poesia.

Alguns autores que fizeram sua matriz poética e um motivo para cada qual.

Vou citar apenas uns poucos mais marcantes. Descobri a poesia aos onze anos de idade, quando morava nos Estados Unidos, e uma professora nos deu para ler Shakespeare. Daí passei para Emily Dickinson, Edgar Allan Poe e Walt Whitman. Dickinson e Whitman em particular me marcaram muito: Dickinson pela concisão, Whitman pelo ritmo e pela força bruta de suas imagens. Quando voltei ao Brasil descobri que também havia poesia em português. Foi então que comecei a ler Pessoa, o poeta que mais me marcou de todos, creio eu. Com Pessoa aprendi a ideia da construção de uma persona poética, e também que era possível trabalhar com todas as formas, antigas e modernas. Bandeira e Drummond me levaram a descobrir a riqueza da fala cotidiana brasileira — algo que aprendi também lendo o teatro de Nelson Rodrigues, que teve um impacto tremendo em mim aos dezessete, dezoito anos. Os dois últimos poetas que mexeram comigo no final do período de formação — por volta dos vinte anos — foram Wallace Stevens e Cabral. Com Stevens aprendi a trabalhar com ritmos tradicionais de uma maneira moderna, e também peguei alguns temas que se tornaram importantes para mim: a poesia sobre a poesia, a arte como substituto da religião. E com Cabral aprendi a amar a redondilha maior e as metáforas ousadas.

Em que medida a poesia é mais arte plástica do que literatura?

Para mim, muito pouco. Minha grande paixão é a música, e poesia para mim é, entre outras coisas, talvez até acima de tudo, música com palavras. Nunca consegui me interessar por poesia concreta, por nenhuma forma de poesia que enfatize o elemento gráfico. Não sou muito ligado em artes plásticas, e menos ainda em publicidade, que tanto empolgava as neovanguardas dos anos 50 e 60.